segunda-feira, 22 de julho de 2013

ALEX DIAS RIBEIRO HOMENAGEIA MARCUS ZAMPONI

Morreu Marcus Zamponi, o mais irreverente e divertido jornalista brasileiro de todos os tempos. Nas pistas ou em qualquer roda automobilística, o gordo Zampa era garantia de alegria e muitas gargalhadas com seu jeito único de ser e contar histórias.
Extremamente inteligente, dono de uma cultura geral acima da média, rapidez de raciocínio, língua afiada, perspicácia e senso de humor sarcástico, Zamponi era o tipo do cara que jamais se interessaria por religião. Mas vê-lo sentado nos últimos bancos da nossa igreja nas manhãs de domingo sem corridas, me faziam refletir: Se Deus deu um jeito no Zampa, existe esperança para qualquer “caso perdido.” E o poder que promoveu essa transformação no Zampa me enche da esperança de reencontrar-me com ele nas ruas de ouro do Céu…
Eu o conheci em Londres quando desembarquei na ilha para meus primeiros passos no automobilismo internacional. Mas em vez de contar nosso primeiro encontro quero que ele mesmo fale através da matéria que ele escreveu para a revista Auto Esporte e acabou virando um capítulo do meu livro Mais que Vencedor. Creio que essa é minha melhor maneira de reverenciar sua memória saudosa.

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Os pilotos de competição sempre foram comparados aos cavaleiros medievais. A analogia é enfatizada através de muitos detalhes: o capacete é o elmo, a balaclava do piloto originou-se na do cavaleiro, o macacão é a armadura e o carro, o cavalo. O grande sonho dos cavaleiros era o resgate do Santo Graal, o cálice em que Cristo bebeu vinho na última ceia. Para muitos, a semelhança acaba aí. Mas existe um piloto que ainda tem um Santo Graal ou o Campeonato Mundial de F1. Seu nome é Alex Dias Ribeiro, o novo cavaleiro de Cristo.
Em outubro de 1973 - num dia insuportavelmente frio, apesar do sol britânico - o diretor da March pediu-me para ir a Londres apanhar um piloto brasileiro, que vinha conversar a respeito de umas corridas de F3.
Nessa época eu trabalhava na March, auxiliando no escritório e executando vários tipos de serviços. O salário não era dos maiores, mas me permitia viver 24 horas por dia em contato direto com os carros e pilotos que povoavam meus sonhos, desde os tempos de menino.
Quando ouvi o nome do piloto, pensei logo que a Inglaterra ia ter a chance de conhecer um bocado das malandragens típicas do automobilismo brasileiro. O único registro que encontrei em minha memória sobre ele, eram alguns boatos sobre sua incrível capacidade de driblar os regulamentos, suas boas performances na Fórmula Ford e uma mania de colocar, por todo lugar por onde passasse, a inscrição Cristo Salva. Confesso que na época isso me cheirava a paranóia ou encenação.
Segundo as mesmas fontes, cada vitória de Alex era saudada com cânticos fervorosos de crentes em frente ao podium onde se encontrava seu herói, no momento exato e emocionante da entrega de prêmios. Tanta lenda em torno de uma pessoa era mais do que suficiente para aguçar minha curiosidade. Parti logo para Londres, a fim de conhecer a estranha figura.
O encontro havia sido marcado na casa de Leonel Friedrich, outro piloto brasileiro, que corria pela March na F3. Quando cheguei, Alex já estava lá. Não sei bem porque a impressão inicial foi das piores, mas acho que tanta história em torno dele havia me deixado com uma idéia totalmente diferente daquele menino franzino e baixinho que me olhava com cara de caipira bobo.
Talvez esta tenha sido a avaliação mais errada que já fiz de uma pessoa à primeira vista, mas realmente aquela figurinha não me transmitia nada de positivo, e hoje me lembro do pensamento que me ocorreu: o que este cara pensa que é correr de F3?
Mas o errado, ainda bem, era eu. Ele sabia até melhor do que os ingleses o que era correr de F3 e também de F2, onde os franceses têm de agradecer a Renault e a Martini, a superioridade de seus motores e chassis sobre os BMW e March. E não falo da F1 para não me precipitar, mas no fundo, acredito que não vai ser muito diferente das outras categorias.
O Carro
Mas voltemos para a March, onde o Alex, com um inglês que nem ele mesmo entendia, tentava e conseguia alugar um carro de F3 para fazer dois treinos e duas corridas, patrocinado pela Brazil Export 73, uma feira que estava sendo realizada em Bruxelas.
Minha impressão de Alex já começou a mudar na conversa que ele teve com Sandro, diretor da March. Ele começou a falar em inglês que era um piloto pobre e apresentou uma revista feita por ele, cuja capa era de uma edição de Auto Esporte, na qual apareciam José Carlos Pace e ele. Dentro, havia uma coletânea de matérias de diversas publicações sobre suas corridas. Aquilo já me deixou uma impressão de luta e de força de vontade.
Dois dias depois, Sandro pediu-me para acompanhar os mecânicos, já que a comunicação entre Alex e os mecânicos era praticamente impossível. Ele interessava–se apenas pelo aluguel do carro, não se incomodando nem um pouco com o que aquele piloto pudesse vir a fazer no futuro por sua fábrica. O que ele queria era a verba da Brazil Export.
Chegamos cedo à oficina, a fim de acertar o carro para o treino em Silverstone. Quando viu o carro, Alex foi logo sentando para ajustar os pedais para sua baixa estatura. Então, veio o primeiro festival de gargalhadas dos ingleses. Não havia jeito de o Baixinho alcançar os pedais. Depois de mil e uma tentativas, o banco foi ajustado para a frente o máximo, enquanto a direção era puxada para perto do piloto. O topo do cockpitteve de ser cortado, simplesmente porque Alex não podia ver a pista. Tudo pronto, apareceu um novo problema. Com os pés encostados nos pedais, ele não conseguia encostar-se no banco. Então tive de sair para comprar muita espuma, a fim de que a figurinha de quarenta e poucos quilos pudesse acomodar-se dentro do carro.
Ao voltar, encontrei os mecânicos fora da oficina, tentando disfarçar, sem muito sucesso, o riso. Logo senti que algo de insólito estava acontecendo lá dentro. Quando entrei, havia um outro carro. Alex havia substituído todos os adesivos pelos da Brazil Export, Rastro e os famosos Jesus Saves, já em inglês. Estes por sinal, cobriam quase toda a extensão do carro.
Posteriormente, compreendi que naquele momento o Baixinho estava mostrando que não se desligaria nunca de seu Patrocinador Maior e que prosseguiria definitivamente em sua cruzada, onde quer que estivesse.
Naquela tarde, Alex deixou claro que não estava lá para brincar. Seu treino não deixou nada a dever ao de qualquer piloto de ponta da categoria. Depois de dar apenas quatro voltas, já estava a menos de dois segundos do recorde e, com cinco voltas, nada sobrava do carro.
Um triângulo da suspensão dianteira rompeu-se e Alex acabou batendo a mais de 180 Km por hora. Saiu rindo do que restou do March 733. Naquele momento senti que no menino franzino havia alguma coisa a mais. Na cabeça ou na alma. Eu não sabia o que mas sentia, mais do que entendia, que havia alguma coisa a mais.
Foi em 1974 que Alex apareceu no cenário automobilístico europeu, mas não com a imagem de respeito e confiança que agora tem, e sim com a de um perfeito selvagem. Numa guerra aberta da imprensa inglesa contra ele, nem mesmo sua crença foi respeitada. Apesar de aceitar tudo passivamente, Alex transformou o menosprezo em estímulo à sua dedicação,
Três vitórias, o vice-campeonato inglês, duas capotagens, uma pole position na estréia em Nürburgring, duas quase pancadarias na Alemanha e na Itália e muita experiência em sua bagagem, foram o saldo de uma temporada em que correr com um GRD era um grande handicap a favor dos March, que tinham o domínio absoluto.
Mas seu grande ano na F3 foi 1975, quando Alex conquistou definitivamente seu lugar no ranking mundial de pilotos aspirantes às categorias maiores. A F3 passou a ser o grande celeiro de pilotos de F1. Algumas provas serviam de preliminar às corridas do Campeonato Mundial e os chefes de equipe da F1 observavam atentamente estas corridas, na esperança de encontrar um talento perdido em meio àquelas feras.
A Via-Crúcis
Os seis primeiros meses de 1975 foram um verdadeiro suplício para um piloto que tinha as aspirações de Alex. Ele se viu obrigado a dividir a equipe oficial da March com o sueco Gunnar Nilsson e logo teve uma lição precoce dos problemas e desilusões de ser o segundo piloto. Gunnar, além de acelerar uma barbaridade, tinha entre seus predicados naturais a capacidade de ser extremamente simpático e conseguir bajular os jornalistas ingleses da maneira certa. Nilsson conseguiu uma série de vitórias espetaculares no início da temporada, com muito mérito. Alex, porém, estava sempre por perto, e de vez em quando, dava suas cravadas no companheiro de equipe.
Enquanto Gunnar virava manchete e começava a ser cotado para F1, sobrava para Alex o pior: os mordazes comentários de uma crônica que já estava cansada de ver o sucesso dos brasileiros. Para um jornalista com as limitações criativas de um Chris Witty, da revista inglesa Auto Esporte, era demais ver cotado para a F1 um brasileiro mirrado, que, além de vencer com freqüência seus ídolos e compatriotas, insistia em afirmar para todos que Cristo Salva.
Ninguém pediu para ser salvo de nada!
A guerra contra Alex cresceu tanto, que um dia, durante uma conversa com jornalistas ingleses, eu me referi ao Cristo Salva, ao que Witty comentou: - e daí? Não perguntamos nada a ele!, fazendo uma alusão clara ao fato de não ter pedido a ninguém para ser salvo de coisa alguma. Alex, por seu lado, não reagia às provocações e nada fazia nas pistas para modificar as ideias que os ingleses tinham a seu respeito.
Um claro exemplo disso foi a preliminar de F3 do Grande Prêmio da Suécia de 75. Enquanto os dois suecos Konny Anderson e Gunnar Nilsson disputavam a liderança roda a roda, Alex, que tinha largado na pole position, encostou nos boxes com um pneu furado. Ao voltar para a pista, já sem chances de conseguir uma boa colocação, preocupou-se apenas com a obtenção da volta mais rápida que lhe daria um ponto no campeonato.
Duas voltas mais tarde, ao disputar uma freada com seu companheiro de equipe, os dois bateram e tiveram de abandonar a prova. É fácil imaginar a cena. Numa preliminar do GP da Suécia, o retardatário Alex, tira da prova o possível ganhador, um sueco, que se não fosse o primeiro, seria fatalmente o segundo, fechando a dupla da casa. Segundo testemunhas, Nilsson não conseguia falar - babava de raiva.
Nos incidentes do GP de Mônaco entre Alex e Tony Brise, algumas vozes levantaram-se em defesa do Baixinho, mas na Suécia a imprensa simplesmente demoliu a imagem do piloto brasileiro, e somente a fé permitiu-lhe suportar a violência do golpe e reconhecer seu erro. Para qualquer outro, aquilo poderia ter significado o início do fim, mas para Alex foi apenas mais uma etapa de sua luta obstinada pelo sucesso. A partir desse episódio, Alex conseguiu equilibrar e até superar parcialmente as performances do adversário Nilsson.
Com o tempo, a crônica relaxou sua vigília em torno de Alex, à procura de uma brecha em sua guarda. Tal postura foi reforçada pela mudança nítida em seu estilo de disputar uma corrida e o conseqüente aumento da produtividade, o que provocou um convite de Frank Williams para a F1 jamais confirmado ou desmentido pela imprensa.
Filme Queimado
A caçada implacável que a imprensa inglesa moveu em torno de Alex teve consequências muito piores: a perda de confiança de seus próprios patrícios.
Indicado no início da temporada como piloto-reserva do Copersucar, dos irmãos Fittipaldi, o espanto foi geral com a notícia de que ele fora substituído por Ingo Hoffmann. Sem desmerecer Ingo, os conhecimentos e a experiência de Alex eram infinitamente superiores aos predicados naturais, ainda em desenvolvimento de Hoffmann, que começara a correr há pouco mais de dois anos.
Depois de tantos golpes, as chances de um bom patrocínio que permitisse ao Baixinho ascender à F2 eram remotas, mas ele não desistiu. Com o apoio de sua esposa, Barbara, conseguiu manter o patrocínio fiel da Perfumaria Rastro e ainda descolou um novo: a Caixa Econômica Federal.
O patrocínio da entidade federal veio com uma só pergunta feita por Alex, depois de uma estafante reunião com toda a diretoria. Eles estavam mais inclinados a patrocinar o GP do Brasil do que a temporada do Alex. Então o Baixinho fez a pergunta decisiva: - Quem patrocinou o GP do Brasil do ano passado (75)? De fato, ninguém se lembrava e perceberam que patrociná-lo firmaria muito mais a imagem da empresa.
Com esta verba, foi-lhe garantido um lugar na equipe oficial da March de F2, a melhor que pode pretender um piloto não-francês. Era uma posição de muita responsabilidade. Por ela já haviam passado Ronnie Peterson, Niki Lauda e Patrick Depailler, entre outros. De imediato, ele se encontrava na desconfortável posição de segundo piloto, além do fato de os chefes de equipe de F1 continuarem a procurar novos valores na F3.
O primeiro piloto era o italiano Maurizio Flammini, que já contava com algumas vitórias na F2 e também com a preferência da diretoria da March.
A Volta por Cima
Enquanto Alex pegava a mão dos F2, o italiano começou a deslanchar, mas aos poucos Alex foi se tornando mais um obstáculo para Flammini, além dos motores Renault, que equipam os carros franceses. Aos poucos, o Baixinho se impôs como o melhor piloto de F2 daquela temporada.
Por isso, os convites para a F1 agora eram muitos. No GP da Áustria, Alex foi sondado para correr com um Ensign, mas recusou, por achar que ainda era cedo. Depois do GP de Portugal de F2, recebeu uma sondagem de Bernie Ecclestone para ser o segundo piloto da Brabham, em 77. O mesmo convite recebeu de Robin Herd, para ficar na March, além de um de Frank Williams e outro de John Surtees.
Em meados de agosto de 76, antes que já houvessem transpirado os comentários sobre a sua possível contratação pela Brabham, Alex escreveu-me, contando as novidades. O parágrafo final refletia toda a sua razão de ser. Perdoe-me, Alex, por tornar pública sua frase, mas acho que é o momento de mais gente conhecê-lo melhor:
Sobre a vontade e o coração, quero dizer que não é tudo. Existem outros que também lutaram pra burro e nunca chegaram à F1. Você sabe muito bem que lá em cima tem Alguém que me empurra para a frente e, se ele é por nós, quem há de ser contra? ... É ele quem me dá a força e o coração para seguir lutando como tenho feito até agora, mas com uma diferença: A CERTEZA DA VITÓRIA.
Alex Ribeiro

2 comentários:

  1. Brilhante !! Grande amigo Zampa...reconhecendo o potencial do tbm amigo Alex Dias Ribeiro..Jovino obrigado e parabens pela postagem

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  2. Valeu Luiz. Era fã do Zampa e todas as homenagens para ele são bem vindas. Jovino

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