sábado, 24 de dezembro de 2011

CLÁSSICOS DO CINEMA

Mais uma cena de "Clássicos do Cinema" com o retrato que compôs o meu perfil deste mês.

Trata-se de um drama Franco/Italiano de 1974 com produção de Giovanni Bertolucci.

"Professor de meia-idade, intelectual, tranca-se em um apartamento juntamente com sua coleção de artes e" ...
Com grande elenco e um dos maiores atores americanos e que já nos deixou em 1994.


Que filme é este e quem é o ator do retrato acima e o elenco do filme?
Fácil, não!!

A resposta para o "Clássicos do Cinema" deste mês é o filme "Violência e Paixão" de Luchino Visconti.

Abaixo, ficha técnica e a crítica de Rubens Edwald Filho.

Título original: Gruppo di Famiglia in um Interno/Conversation Piece
Drama. Widescreen 2.35:1. 121 min. Cor.1974. Itália. Diretor: Luchino Visconti (1906-76). Elenco: Burt Lancaster, Silvana Mangano, Helmut Berger, Dominique Sanda, Claudia Cardinale, Claudia Marzani, Stefano Patrizi, Elvira Cortese, Philipe Hersent, Romolo Valli, Giu Trejean, Enzo Fiermonte.

Sinopse: Professor de meia-idade, intelectual e colecionador de arte (Burt 1913-94), vive sozinho rodeado de quadros e tem sua paz perturbada quando uma família nobre mundana e turbulenta aluga o apartamento de cima. Mas aos poucos, despertam nele novos sentimentos.

A versão é falada em inglês por causa de Burt Lancaster, seu astro principal. Não se esqueçam de que, naquela época, todo o cinema italiano era dublado, não havia som direto por lá – hoje em dia já sucede isso – e, então, era comum atores de diferentes nacionalidades falarem sua própria língua e a dublagem posterior igualava tudo. Por isso havia tantas co-produções e a presença frequente de astros de Hollywood em decadência e em busca de trabalho.

Este foi o penúltimo filme de Visconti, que já estava muito doente (ele rodou mais um que foi O Inocente, 76, em cadeira de rodas, mas morreu antes de completar a montagem). Por isso que optou por esta história intimista, que rodou toda em interiores - em estúdio, o que fica muito claro aqui, parece peça de teatro - e basicamente em dois ou três cenários. Foi rodada uma única versão falada em inglês, como uma compensação para o amigo de Visconti, Burt Lancaster, por este ter sido dublado em italiano em O Leopardo/Il Gattopardo, 1963. Por causa disso é que esta que foi restaurada.


É um bonito drama sobre a solidão e as relações humanas, sobre o contraste entre a intelectualidade vazia e a mundanidade efervescente de vida. Há também um sutil subtexto político, bem ao gosto de Visconti, em que discute abertamente a política da época (indústrias de Direita lutando contra comunistas e intelectuais, que afirmam ser de Esquerda, mas nada fazem para demonstrar isso). Lancaster tem uma excepcional interpretação, muito sutil, controlada como o professor anti-social, que foge das pessoas, substituindo-as pelas pinturas de grupo que o rodeiam (do gênero típico da pintura inglesa do século XVIII “conversation pieces”, daí o título em inglês, e o italiano se refere à mesma coisa), cujo conteúdo pode também servir como uma metáfora do grupo familiar em que ele acaba sendo inserido à força. Mas todo o elenco está muito bem, em especial Silvana Mangano (1930-89), que tem uma participação muito forte e bastante longa, como uma nobre mulher de industrial e que sustenta um gigolô jovem feito por Helmut Berger (o “muso” e companheiro do diretor na época, mais contido do que de hábito e cuja ambiguidade e mistério enriquecem bastante o papel).

É muito curioso ver o embate dos inspiradores de Visconti que ele procurou reunir num mesmo filme. La Mangano era sua velha amiga e cúmplice - uma mulher difícil, depressiva, morreu cedo de câncer no pulmão, abalada pela morte de um filho, único varão, em desastre de avião, que teve com o marido Dino de Laurentiis, que a tornou estrela, mas se divorciou dela. Ficaram casados desde 1949 a 88 e tiveram oito filhos. Foi Dino quem a transformou em estrela, inclusive com seu filme de marca, Arroz Amargo, 49. A neta de Silvana hoje é a grande estrela da culinária italiana nos EUA, Giada de Laurentiis, com o programa no Food Network.

Helmut Berger (1944-), que voltou recentemente muito envelhecido, marcado pela bebida e drogas, a trabalhar no cinema europeu, é austríaco e foi descoberto por Visconti quando era garçon num restaurante e foi selecionado como figurante para Vagas Estrelas da Ursa, que depois o colocou numa ponta em As Bruxas. Não era pobre, mas vinha de uma família de Salzburg que lidava com hotelaria. Ficaram juntos 12 anos, e Visconti fez para ele filmes como Os Deuses Malditos e Ludwig, onde se saiu muito bem. Mas a relação dos dois era conturbada, sendo que Berger era muito cruel com o mentor, só lhe dando o valor depois de morto. Publicou uma autobiografia Ich (Eu), em 98, onde trata a relação como casamento e se diz a viúva de Visconti. Em 94, casou-se com Francesca Guidato (de quem está separado hoje). Claudia Marsani (1973-), que faz a filha de Silvana, Lietta, havia sido Miss Teen Age Italy no ano anterior, nasceu no Quênia e fez só mais quatro filmes para então sumir. Stefano Patrizi (1950-), que interpreta Stefano, fez outros 19 filmes (alguns famosos como Esposamante, Leão do Deserto, A Travessia de Cassandra), mas preferiu se tornar produtor de importante e bem sucedida produtora de filmes publicitários, New Ways de Milão.Voltou a representar em 2006 com Quale Amore e 2008, com Chi Nasce Tondo (1973).


O filme tem ainda duas participações especiais não creditadas bem marcantes. Primeiro de Claudia Cardinale (1938- ), que faz a mulher de Lancaster. Ela trabalhou com Visconti em Rocco e seus Irmãos, Vagas Estrelas da Ursa e, naturalmente, em O Leopardo. Continua trabalhando e ativa. A outra é Dominique Sanda (1948- ), que foi descoberta por Robert Bresson, mas se tornou estrela nas mãos de Bernardo Bertolucci (que a usou em O Conformista, 1900) e De Sica (O Jardim dos Finzio Contini). Embora linda e comparada com Garbo, era apenas fotogênica e péssima atriz, o que demonstrou no resto da carreira que durou até 2001. Retornou ao cinema em 2007 com Suster N, um filme da Indonésia! Possivelmente, foi chamada para a ponta pelo produtor deste filme Giuseppe Bertolucci (1940-2005), que fez O Conformista e era primo de Bernardo.

Um detalhe curioso é que em momento nenhum no filme Helmut disfarça sua condição de homossexual efeminado, o que espanta o espectador menos avisado. Aliá, bem antes de A Gaiola das Loucas, ele diz a frase “Eu sou o que eu sou”.

Eis um caso raro no cinema, só houve antes um precedente semelhante, foi com Jean Marais (1913- 1998), que era ainda mais assumido na época em que foi o grande amor da vida do diretor e poeta Jean Cocteau (1889- 1963), o que também revelou em autobiografia. Só que o público na época do apogeu deles era mais ingênuo e não percebia muito. De qualquer forma, as duas duplas tiveram importância na história do movimento gay nas artes.

Conclusão: numa revisão, o roteiro por vezes parece meio antiquado, em particular na discussão após o jantar, mas nos deixa a certeza de ser muito autobiográfico (história de Enrico Medioli, script dele, Visconti e a habitual parceira dele, Suso Cecchi D Amico), o que não deixa de ser estranho porque no DVD brasileiro saiu um featurette sobre Mario Praz (1896-1992), um professor na vida real que teria inspirado o protagonista (o que é assumido pelo próprio Praz).
A fama de Visconti de ser detalhista e um grande conhecedor de cenografia e arte se confirma na decoração espetacular do apartamento - Visconti na verdade era filho do Duque de Modrone e descendente da família real dos Visconti, que eram os príncipes da região de Milão (não esqueçam de que eles só perderam o poder na reunificação da Itália que sucedeu há apenas 150 anos atrás, antes era um monte de principados). Ou nos figurinos extremamente cuidados dos homens e mulheres, já com marcas famosas. E na trilha musical, com muito Mozart, Sinfonia Concertante k 364 e Vorrei SpiegarVi, Oh Dio!, cantada por Emilia Ravaglia. Uma curiosidade espantosa: de repente, na cena da orgia sexual, está tocando uma música de Roberto Carlos em versão italiana! (creditada como Testarda/La Mia Solitudine, cantada por Iva Zannichi).

Conclusão filosófica (colaboração de Germano Pereira): O anti-social representado pelo professor é o ponto de vista privilegiado, aquele que pode se distanciar das confusões imperantes do modo político e econômico que as pessoas viviam naquela época. E por que não dizer, ainda nos dias de hoje?

Através da perspectiva da arte, como um transeunte que perpassa no museu de quadros da vida, o professor, como aquele que nos ensina, apresenta ao público a dicotomia das extremidades – a luta interna do indivíduo ou dos coletivos querendo cada um a sua maneira defender o seu desejo, status político sem, no entanto, enxergar o Outro. A luta eterna entre intolerâncias de esquerdistas e burgueses reacionários. Ou dos desejos e repressões.

Outro tema do filme: o surgimento da libido adormecida deste velho intelectual que se encontrava refugiado em suas obras de arte e lembranças do passado idealizado que faz renascer uma esperança da libertação desse velho e, de certa forma, de nós mesmos.

O que ele vive é um fenômeno particular do processo da morte que acontece, justamente, em seu próprio reconhecimento de estar próximo da morte, reconhecer as limitações do processo da vida e dizer sim a sua velhice, a sua finitude, ao seu desfalecer. Isso mostra um lado positivo no filme quando reconhece neste intelectual esta possibilidade de devir. O filme reconhece na obra de arte, pois tudo, na verdade, enquanto símbolo, só existe na cabeça deste professor, além do caminho para a descoberta de todo tipo de conhecimento, seja ele intelectual, apreciativo, de afecção, sexual, familiar, problemático e por último, estético.


2 comentários:

  1. O Leopardo - Direção de Luchino Visconti - Burt Lancaster.

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  2. Diga Luiz. Não é o Leopardo. Acertou o diretor e o ator.
    Jovino

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